Sem viagens,
Cristóvão Colombo não chegaria à América, Charles Darwin não teria escrito a
Origem das Espécies, Carmem Miranda não cantaria em Holloywood, Pelé também não teria feito mil gols, e eu não
teria comido sushi em um restaurante de Riga, ouvindo ao mesmo tempo funk brasileiro e propaganda de um concerto
de André Rieu. Se o ser humano não se aventurasse por outros mundos, e não
tivesse a curiosidade pra criar, talvez Florianópolis fosse uma ilha
inexplorada, nem manezinhos haveria. Não haveria pontes, e por lá também não
sobrevoariam aviões, muito menos bruxas em suas vassouras voadoras. Sem quebra
de fronteiras não comeríamos strogonoff, tampouco beberíamos cerveja ou vinho. Enfim,
o mundo seria muito sem graça sem o “tudo junto e misturado”.
Já escrevi
algo sobre isso antes: quanto menos grades, portões, fronteiras, melhor. Quanto
mais quebras de padrões, melhor. Bom sair do protocolo também. Experiência é
para viver. E experiência vivida leva a respeito ao meio, ao outro, a uma
realidade diferente. E nos enriquece,
nos fortalecendo também. Aprendemos a viver com os opostos. E melhor ainda é
vivenciar situações pra depois escolher uma delas, não nos amedrontar. Mas o
fato é que nem todos têm essa sorte, quantas vezes as pessoas são obrigadas a
viver uma vida toda, e a morrerem também no mesmo lugar? Há, no entanto, quem
possa escolher e não usa esse poder pra sair da zona de conforto e viver outras
situações diversas. Nós saímos do calor de Florianópolis pro frio de Riga,
Letônia pra estar com a filha e conhecer algo novo, e muitas pessoas me
disseram: “Frio, nem pensar, odeio”. Mas não vivenciar momentos não é uma
questão de gosto, é como não gostar de algo sem nunca ter comido. Enfim, se já
passou pelo frio, é louvável, se não o viveu é medo. Já pensou se todos
morassem só em desertos? Ou só nos árticos? Eu voltarei a minha terra natal,
mas quantos indivíduos têm essa opção? Nossos filhos e filhas precisam voar,
como voaram tantos homens e mulheres que se tornaram cidadãos do mundo. Eles
precisam sair de casa na certeza de que a porta estará aberta caso possam e queiram
retornar. Fato é que as pessoas vivem bem, outras mal, por aqui e por aí. Aqui crianças,
jovens, idosos fazem tudo que qualquer outro indivíduo faz em qualquer lugar do
mundo.
Sempre tive o
sonho de sair por aí, de ultrapassar fronteiras, nunca me contentei em estar em
apenas num lugar. E não existe aprendizado maior do que pisar em outras terras,
conhecer outras gentes, outras culturas, sair da zona de conforto e ter que se
virar, e aceitar o erro como algo construtivo, falando outra língua além da
materna, por exemplo. Ir da teoria à prática. Aprender a (sobre)viver no frio
(ou no calor) excessivo, isso é a vida, pois ora ela esfria, ora ela aquece,
mas o mundo nos abraça, de uma forma ou de outra. Claro que sinto falta de meu país, mas do
jeito que ele se encontra tenho medo do retorno, pois muito pior que o frio é a
violência, o desrespeito, a insegurança.
Os flocos de
neve que conhecia eram os pedaços de algodão que minha mãe colocava pra
enfeitar as árvores de natal, ou ainda as cenas de comédias românticas, ou de
filmes de Papai Noel, por isso nunca associei a neve a um congelador. Após dias
encarando temperaturas em torno de -16, aprendi a respeitar o frio abaixo de
zero, encarando-o como um desafio, como tantos na vida. Reconheço ainda mais
minha pequenez nesse mundão, e o quão ilimitado é o aprendizado, pois há sempre
um canto a conhecer, há sempre uma língua a aprender, há sempre uma comida a
provar, há sempre uma fronteira a ultrapassar. Encontrar um equilíbrio entre o ser
brasileiro e o viver, mesmo que temporariamente, nos países bálticos, é se
colocar à prova e ter a certeza de que retornaremos mais fortes e mais
tolerantes.
Por ora, se
alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando meu computador embaixo do
braço.
Riga, 14 de janeiro de 2023!
Admirável texto "Diz que fui por aí". Temos que, sim, ter histórias para narrar e não coisas para ostentar. Viajar é preciso...
ResponderExcluir“Com a maestria que lhe é peculiar, você me deixou com vontade viajar” … olha eu, toda pretensiosa fazendo rima pra você 😘
ResponderExcluirSigamos viajando e poetizando...
ResponderExcluirFlocos de neve que me lembram o período em que estive no Japão... todos deveriam ler esse texto - todos que querem voar!
ResponderExcluirQue delícia de texto, Rosane. Tem o ritmo daquela viagem que não esquecemos, com o frescor daquela que estamos planejando. Navegar é preciso, sempre!
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