terça-feira, 7 de março de 2023

DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA DESTERRENSE DE LITERATURA EM 03 DE MARÇO DE 2023

 

Excelentíssima Senhora Vilca Marlene Merizio, Presidente da Academia Desterrense de Literatura, prezados confrades e prezadas confreiras da ADELIT e de outras academias, prezados novos acadêmicos, queridos familiares e amigos, boa noite! Agradeço a confiança dos escritores que tomam posse hoje e que confiaram em mim para representá-los. Primeiro, gostaria de dizer que este prédio me traz boas lembranças, pois aqui colei grau em Letras pela UFSC, uma segunda casa para mim, e que muito contribuiu para eu ser quem sou hoje. Segundo, ADELIT é uma academia desterrense, e falar de Desterro é remeter-se ao final do século XIX. Para quem nasceu no Largo Treze de Maio, e acompanha o crescimento desenfreado pelo qual a capital passa nas últimas décadas, sou invadida por um saudosismo: saudades do mar que estava sempre mais próximo, do carnaval ao redor da praça, dos pavões coloridos no jardim do palácio.

3 de março parece um dia qualquer, afinal, não é feriado. Mas foi nesse dia, no distante ano de 1687, que Domingos Jorge Velho foi contratado pelo governo colonial brasileiro para destruir o Quilombo dos Palmares. Outros fatos importantes aconteceram, em 1847 nasceu Alexander Graham Bell e, em 1939, Mahatma Gandhi iniciou um jejum em protesto ao governo da Índia. Já em 1963, a personagem Mônica de Mauricio de Sousa estreou na “Folha de S.Paulo”. São fatos de que poucos se lembram, mas contra os fatos não há argumento. Hoje, 3 de março, tomam posse nesta academia três mulheres Nelma, Rosane e Rosângela, e dois Luís, e ter mais mulheres do que homens assumindo uma cadeira, além de uma mulher na Presidência, indica um avanço, Ou seja, aos poucos nos tornamos protagonistas de nossas histórias. Aos poucos nos devolvem uma voz conquistada a duras penas.  

    Pós pandemia, sem encontros, sem saraus, sem lançamentos presenciais, aqui estamos para celebrar não somente nosso ingresso na Academia Desterrense de Literatura, mas a vida, pois (R)existimos. Como filha de operários, penso no orgulho que meus pais teriam ao me ver com este balandrau recebendo uma medalha. Acho que seu Otemar e a dona Mariazinha nunca imaginariam ter uma filha acadêmica, escritora, consolidando uma carreira e deixando um legado. E, como mulher, antecedendo o dia 8 de março, sinto que meu papel se acentua, pois precisamos de mulheres ocupando espaços que lhes foram negados, uma academia de letras é só um deles.  Bom destacar que janeiro de 2023 foi o mês mais violento para as mulheres dos últimos seis anos, logo, nossa luta só começou. E o que nós, futuros acadêmicos buscamos na ADELIT?

O florianopolitano Luiz Carlos de Sousa, que ocupará a cadeira 4,  influenciado por Nelson Rodrigues e Dalton Trevisan, busca conquistar leitores de todas as idades. Seu patrono, Custódio Francisco de Campos, nasceu em São José, e exerceu alguns cargos públicos. Escreveu em jornais e revistas. Era um conhecedor do Latim e do Alemão, contribuindo com algumas obras de valor, como “Falares Brusquenses”.

Já a historiadora Nelma Baldin, que ocupará a cadeira 22, nascida em Lauro Müller, com certeza busca algo além da sala de aula. Seu patrono Ernani Rosas nasceu em Desterro em 1886, mas viveu no Rio de Janeiro desde os 3 anos. Como simbolista, mesmo que tardiamente, foi cultuado pelos concretistas paulistas.

A poeta Rosangela Calza, que ocupará a cadeira 23, é autora de muitos  livros solos, tem mais de cinquenta antologias, com certeza busca continuar poetando por aí.  Seu patrono, Ildefonso Juvenal da Silva, nascido também em Desterro, em 1894, superou os problemas raciais através da educação. Com recursos próprios, publicou, com 20 anos, o livro “Contos Singelos”.

Luis Nilton Correa,  que ocupará a cadeira 24, antropólogo e historiador luso-brasileiro, é o autor do livro “Açorianos em São Domingos". Possivelmente Luis procura manter-se ativo, produzindo muito. Seu patrono, Jair Francisco Hamms, advogado, professor, jornalista, publicitário e escritor, publicou “Estórias de Gente e outras Estórias”, “O Vendedor de Maravilhas”, entre outros.

E eu, o que espero de um espaço que integra diferentes escritores, de diferentes gerações?  Antes de responder à pergunta, gostaria de dizer que ocupar a Cadeira 25, do professor Lauro Junkes me causa novas e boas lembranças. Lauro Junkes, nascido em Antônio Carlos, foi, além de um grande pesquisador, um homem bom, de família humilde que se aventurou pelas letras e que deixou seu legado. Foi meu orientador de doutorado e, quando eu quis me afastar por estar grávida de meu filho não me deixou, apoiando-me durante o curso e a qualificação.  Impossível descrever aqui toda a contribuição do professor Lauro para a Literatura Catarinense. Respondendo à pergunta, leio um trecho de um texto que publiquei no meu livro de poemas “O amor não cabe no peito” (Editora Insular, 2019).

"Espero que minha escrita sobreviva ao tempo e seja autossuficiente, afinal, a imortalidade é uma ilusão, pois a obra é superior a seu criador, a personagem sobrepõe-se ao narrador e ao autor. O eu lírico passarinha com Quintana. A obra, como uma criança, cresce, constrói-se, regenera-se.

Ao escritor de literatura cabe a transgressão, o anarquismo. Escritores e escritoras são desobedientes em potencial, para eles e elas não há limites estéticos, gráficos, linguísticos. Estão à margem, são loucos e incompreendidos, são péssimos comerciantes, e teimam em escrever sobre o que os outros não gostam. Têm atração pelo diferente. Tocam em feridas, criam polêmicas e às vezes se afogam ao remar contra a maré. E para quê? Para não serem apenas espectadores da vida real. Para exercerem, nas linhas e entrelinhas, a cidadania. Para serem solidários à vida e jamais sobreviverem como reles mortais.

    A arte assusta, agride, choca, mas liberta-nos de nós mesmos quando a empatia nos faz ser quem não somos, Sófocles não seria nada sem Édipo, nem Clarice sem Macabéa."

E nós, queridos acadêmicos, o que seríamos sem nossa obra?

 

Muito obrigada,

Que juntos possamos fazer a diferença!

 

Rosane Cordeiro



Desterro, 03 de março de 2023.