terça-feira, 13 de agosto de 2019

Muito além de um jogo




Ora uma partida de futebol de 7 a 1, ora uma sessão de teatro lotada que se esvazia aos poucos, mas mantém a atenção de alguns espectadores. É assim, ou quase isso, uma sala de aula, bom ressaltar que, no jogo,  os professores levam a goleada. Confesso: sou uma incansável torcedora, pois me mantenho em sala de aula, afinal, ainda me encanto com os poucos olhos brilhando. Tento, assim, pelo riso, estreitar relações e, como não me preocupo com julgamentos, algumas vezes pareço uma adolescente, outras, uma palhaça, outras ainda uma louca. Tô nem aí.
Nem eu, nem eles, às vezes, compreendemos as piadas que surgem. Há falta de comunicação, pois se falam línguas diferentes. A equipe fala uma língua, os professores outra, os pais nenhuma das duas, já os alunos comunicam-se por mensagens subliminares e códigos, muiiiiiitos. A escola é uma torre de Babel. Proibir os jovens de acessar as redes sociais é algo incompreensível. Nossos quadrados também não fazem mais sentido e perfilar jovens por mais de quatro horas é, na verdade, retrógrado em se pensando em tantas teorias sobre educação. Se a escola que idealizo prepara seus educandos para a vida fora dela, aprender a lidar com as redes sociais deveria ser sim uma obrigação da escola, não haveria tanta manipulação via fake news, ninguém (ou quase ninguém) deixaria de tomar vacina, uma mulher não seria arrastada por quilômetros, professores, artistas e cientistas não seriam criminalizados. Nossos alunos precisam estar do nosso lado de forma consciente, na certeza de que a educação e a democracia andam juntas. Precisam saber da importância de se ter voz do lado esquerdo ou direito, na frente ou atrás da sala de aula. Educação se faz em equipe e falando uma mesma língua.  
Logo, não são raras as vezes que me sinto ultrapassada. É só conversar com meus alunos, de igual pra igual, que desabrocha algo que sequer imaginava. Alguns dizem que sempre foi assim, que pais e filhos, professores e alunos sempre falaram línguas diferentes. Não. O distanciamento mudou consideravelmente. Hoje no carro, por exemplo, enquanto ouvíamos Teresa Cristina, meu filho ouvia algo no seu fone que desconhecemos. Antes, mesmo que goela abaixo, ouvíamos o mesmo que nossos pais. Quase ninguém ficava recluso em seu quarto com um computador trocando ideias com meio mundo. Na casa de meus pais, compartilhávamos a tevê e a mesa, hoje o que nossos jovens compartilham está por aí, em uma nuvem, talvez, ou nas redes de amigos de amigos de amigos que não conhecem. Nossos alunos vêem mais por telas do que fora delas. Os quadrados de seus quartos são muito mais importantes e globais que os quadrados de suas salas de aula repletas de bullyings e proibições, lá eles podem ultrapassá-los, nas salas eles encontram-se limitados. Pais e professores ainda impõem o faça o que eu digo, não o que eu faço. E isso não rola mais. Falando em rolar mais, não me refiro a, segundo o dicionário, avançar girando sobre si mesmo, quero dizer que isso não faz mais o menor sentido, não que antes fizesse, mas não questionávamos. Hoje eles, felizmente, questionam e, em geral, não engolem o que não querem.
O uso da língua, assim como a forma que se estrutura e consolida, é um ato familiar, social e político e nós, professores devemos nos preocupar com seu uso. Voltando à linguagem, um dia desses um aluno ao sair de sala me disse: “Professora, sou chelsea”, e fez um C com a mão. Eu, curiosa que sou, questionei se a afirmação dele tinha algo a ver com a polêmica de Neymar, pois anteriormente falavam sobre o fato.  Eles se entreolharam, riram e me disseram para perguntar para meu filho. Óbvio que não esperaria chegar em casa. Ao voltar à sala, o aluno, sob pressão (rrsrsrsrs) me disse que fazer o tal C, de chelsea, quer dizer, nas redes sociais, estou disponível para transar sem camisinha.  E travamos ali e em outras salas um papo cabeça sobre língua, linguagem e sobre o quão louco é, ainda hoje, sexo sem proteção. Segundo uma maioria, a escolha do time chelsea é porque este joga sujo, quem joga limpo, é borussia, logo, sexo protegido. E me chamaram de xaaaaaata que significa estilosa. Para eles, linguagem de casqueiro. Ressurgiu ali o preconceito.
O fato é que nosso vocabulário distancia-se cada vez mais do de nossos alunos, não são poucas as vezes que não compreendem o que falamos e/ou escrevemos. Isso justifica o pouco interesse que têm pelo ensino de línguas em geral. Reforçando os muitos distanciamentos, há alguns anos, meus alunos não conheciam os mortos, hoje não conhecem nem os vivos, e nem eu. Eu não conhecia o tal do Gabriel Diniz, muito menos sua Jennifer. Já para uma grande parcela de jovens, Chico Buarque e Chico Xavier são a mesma pessoa. Nossos jovens vão a shows de trap, ficam bolados com a gente, têm relações líquidas, compartilham fotos. Nossos jovens pouco pensam em carteira assinada, em trabalhar 8h diárias, por isso não se importam com a reforma da previdência. Eles não vivem, como vivemos, para formar família, ter uma casa e se aposentar. Antes, um diploma de curso superior era a certeza de ascender na pirâmide, hoje ele pode significar uma ameaça.
Como professora e mãe de jovens, só o que penso é em tirá-los de bolhas. Leio textos. Declamo poesias. Conto piadas. Danço. Às vezes desço do salto. Não feliz com o 7 a 1, tenho a esperança em um outros jogos, em outras equipes, em outros resultados. Quanto ao teatro, o show tem sempre que continuar, não é mesmo?