Ora uma partida de futebol de 7 a 1, ora uma sessão de
teatro lotada que se esvazia aos poucos, mas mantém a atenção de alguns
espectadores. É assim, ou quase isso, uma sala de aula, bom ressaltar que, no
jogo, os professores levam a goleada.
Confesso: sou uma incansável torcedora, pois me mantenho em sala de aula,
afinal, ainda me encanto com os poucos olhos brilhando. Tento, assim, pelo
riso, estreitar relações e, como não me preocupo com julgamentos, algumas vezes
pareço uma adolescente, outras, uma palhaça, outras ainda uma louca. Tô nem aí.
Nem eu, nem eles, às vezes, compreendemos as piadas
que surgem. Há falta de comunicação, pois se falam línguas diferentes. A equipe
fala uma língua, os professores outra, os pais nenhuma das duas, já os alunos
comunicam-se por mensagens subliminares e códigos, muiiiiiitos. A escola é uma
torre de Babel. Proibir os jovens de acessar as redes sociais é algo
incompreensível. Nossos quadrados também não fazem mais sentido e perfilar
jovens por mais de quatro horas é, na verdade, retrógrado em se pensando em
tantas teorias sobre educação. Se a escola que idealizo prepara seus educandos
para a vida fora dela, aprender a lidar com as redes sociais deveria ser sim
uma obrigação da escola, não haveria tanta manipulação via fake news, ninguém
(ou quase ninguém) deixaria de tomar vacina, uma mulher não seria arrastada por
quilômetros, professores, artistas e cientistas não seriam criminalizados.
Nossos alunos precisam estar do nosso lado de forma consciente, na certeza de
que a educação e a democracia andam juntas. Precisam saber da importância de se
ter voz do lado esquerdo ou direito, na frente ou atrás da sala de aula. Educação
se faz em equipe e falando uma mesma língua.
Logo, não são raras as vezes que me sinto ultrapassada.
É só conversar com meus alunos, de igual pra igual, que desabrocha algo que
sequer imaginava. Alguns dizem que sempre foi assim, que pais e filhos,
professores e alunos sempre falaram línguas diferentes. Não. O distanciamento
mudou consideravelmente. Hoje no carro, por exemplo, enquanto ouvíamos Teresa
Cristina, meu filho ouvia algo no seu fone que desconhecemos. Antes, mesmo que
goela abaixo, ouvíamos o mesmo que nossos pais. Quase ninguém ficava recluso em
seu quarto com um computador trocando ideias com meio mundo. Na casa de meus
pais, compartilhávamos a tevê e a mesa, hoje o que nossos jovens compartilham
está por aí, em uma nuvem, talvez, ou nas redes de amigos de amigos de amigos
que não conhecem. Nossos alunos vêem mais por telas do que fora delas. Os quadrados
de seus quartos são muito mais importantes e globais que os quadrados de suas
salas de aula repletas de bullyings e proibições, lá eles podem ultrapassá-los,
nas salas eles encontram-se limitados. Pais e professores ainda impõem o faça o que eu digo, não o que eu faço.
E isso não rola mais. Falando em rolar mais, não me refiro a, segundo o
dicionário, avançar girando sobre si mesmo, quero dizer que isso não faz mais o menor sentido, não que
antes fizesse, mas não questionávamos. Hoje eles, felizmente, questionam e, em
geral, não engolem o que não querem.
O uso da língua, assim como a forma que se estrutura e
consolida, é um ato familiar, social e político e nós, professores devemos nos
preocupar com seu uso. Voltando à linguagem, um dia desses um aluno ao sair de
sala me disse: “Professora, sou chelsea”, e fez um C com a mão. Eu, curiosa que
sou, questionei se a afirmação dele tinha algo a ver com a polêmica de Neymar,
pois anteriormente falavam sobre o fato.
Eles se entreolharam, riram e me disseram para perguntar para meu filho.
Óbvio que não esperaria chegar em casa. Ao voltar à sala, o aluno, sob pressão
(rrsrsrsrs) me disse que fazer o tal C, de chelsea, quer dizer, nas redes
sociais, estou disponível para transar sem camisinha. E travamos ali e em outras salas um papo
cabeça sobre língua, linguagem e sobre o quão louco é, ainda hoje, sexo sem
proteção. Segundo uma maioria, a escolha do time chelsea é porque este joga
sujo, quem joga limpo, é borussia, logo, sexo protegido. E me chamaram de
xaaaaaata que significa estilosa. Para eles, linguagem de casqueiro. Ressurgiu
ali o preconceito.
O fato é que nosso vocabulário distancia-se cada vez
mais do de nossos alunos, não são poucas as vezes que não compreendem o que
falamos e/ou escrevemos. Isso justifica o pouco interesse que têm pelo ensino
de línguas em geral. Reforçando os muitos distanciamentos, há alguns anos, meus
alunos não conheciam os mortos, hoje não conhecem nem os vivos, e nem eu. Eu
não conhecia o tal do Gabriel Diniz, muito menos sua Jennifer. Já para uma
grande parcela de jovens, Chico Buarque e Chico Xavier são a mesma pessoa.
Nossos jovens vão a shows de trap, ficam bolados com a gente, têm relações
líquidas, compartilham fotos. Nossos jovens pouco pensam em carteira assinada,
em trabalhar 8h diárias, por isso não se importam com a reforma da previdência.
Eles não vivem, como vivemos, para formar família, ter uma casa e se aposentar.
Antes, um diploma de curso superior era a certeza de ascender na pirâmide, hoje
ele pode significar uma ameaça.
Como professora e mãe de jovens, só o que penso é em
tirá-los de bolhas. Leio textos. Declamo poesias. Conto piadas. Danço. Às vezes
desço do salto. Não feliz com o 7 a 1, tenho a esperança em um outros jogos, em
outras equipes, em outros resultados. Quanto ao teatro, o show tem sempre que
continuar, não é mesmo?