quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Nada a comemorar.

    Mais um dia 15 de outubro e, antes mesmo dele chegar, já via postagens nas redes sociais enaltecendo a profissão de professor. Há algumas semanas, no entanto, esse profissional era tachado de vagabundo por não querer trabalhar e, há alguns anos, era menosprezado e ameaçado, um doutrinador. De doutrinador a vagabundo, alguns insistem ainda em santificá-lo. Cansa, gente! Não que eu não queira ser parabenizada, todos nós gostamos de um mimo, mas não tem sido fácil e não vou, como dizia minha mãe, “colocar panos quentes”. 
    A situação do professor é muito parecida com a de uma mulher vítima de violência, apanha, apanha e apanha, depois aceita o parceiro com o buquê de flores no dia do aniversário. Confesso: tem me faltado romantismo. Mil desculpas, queridos companheiros e queridas companheiras de trabalho, mas também acho uma chatice essas postagens apelativas que reforçam que nossa profissão é a mais importante do planeta. Não, não é. Hoje talvez seja a de ambientalista. Daí vem você com a historinha: “mas quem ensina o ambientalista?” Menos, ambientalistas ensinam ambientalistas, engenheiros ensinam engenheiros. Sendo bem sincera, só a de alfabetizador ensina todo mundo. Simples. Na verdade, não existe uma profissão mais importante que outra, pois ninguém ensina sozinho. Ser professor é um trabalho em equipe, interdisciplinar, precisa ir além da sala de aula e envolver a família e a sociedade. Caso contrário, é um fracasso. Não se iludam, ser professor é um estado, não caiam na armadilha da meritocracia, não aceitem um altar, afinal, assumam a sala de aula. Quando tentam valorar o professor, ora o coisificam, ora o santificam e, por isso, a profissão e o profissional de sala de aula (não o de educação) não é levado a sério. 
     Uma grande maioria das pessoas acredita que professor vive de ar e de amor. Um dia, na saída de um restaurante, um conhecido me falou que, na próxima reencarnação, seria professor, para se aposentar mais cedo e trabalhar menos. Tive vontade de avançar no pescoço da criatura, mas me contive e nem me lembro do que falei, nessas horas perco o filtro. E se antes da pandemia já havia, nas redes sociais, muitos especialistas em linguística, cientistas gabaritados e juízes, de beca e martelo na mão, além de escritores, obviamente, neste período de quase retorno, a situação se agrava, porque pais e mães descobriram, em casa, tendo que acompanhar seus filhos nas duras aulas on-line, que ser professor e professora não é para qualquer um. Descobriram que nem filhos e filhas não são santos, muito menos seus professores e professoras. Sentem na pele as muitas dificuldades que envolvem a educação em um país que só lhe dá a devida atenção em período eleitoral. Por isso que hoje como não posso andar tranquilamente por aí, não vou ter vergonha de ser feliz e, como professora e educadora há muitos anos na luta, permanecerei consciente de que rosas a gente planta e respeito se conquista. 
     Enfim, no bairro em que moro há umas dez igrejas e apenas uma escola. Há lojas de tudo, mas nenhuma livraria. Este é o Brasil que acredita em milagres, não acredita na educação, sonha em ganhar na trimania, ou na megasena, ir para a Disney assistir ao falso Mickey Mouse. Podem me chamar de amarga, sem problemas. Um país laico, em que um único deus está acima de todos está fadado à miséria educacional. Não temos o que comemorar.