sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Sobre querer e poder.


 Quero minha sala de aula de volta. Meus alunos e minhas alunas já não me reconhecem, seja pela máscara, seja pela formalidade, agora uma regra. Chego à sala, higienizo a mesa, as canetas e, antes, durante e depois, as mãos. Dou a bênção aos poucos presentes espirrando, no nosso distanciamento, um pouco de álcool 70%, afinal, como bem diz o provérbio: "o seguro morreu de velho".  

Nunca as salas estiveram tão caladas. O distanciamento entre alunos e professor aumentou, os que estão em sala mantêm-se afastados, os que permanecem em casa assistem, através de uma tela, à aula em um espaço que, parece, permanecerá durante algum tempo. É o novo normal. E de repente, a educação vira serviço essencial, deixando ainda mais visível a desigualdade em um país que finge se importar com a educação. Só os olhos nos identificam, a voz abafada esforça-se para se projetar e se fazer entender, tímida, amedrontada, em dois espaços antes, contraditórios. Como ministrar aulas on-line e presenciais ao mesmo tempo? Tirar dúvidas aqui e lá? Falar com os daqui e os de lá? Professor se vira nos 45 min de aula, e como se vira, né?

Ora uma falha humana, ora uma falha técnica, somos guiados  também pelos próprios alunos a resolver problemas: "Aperta o F5, professora." A realidade, no entanto, não é como a propaganda diz, o F5 não funciona e é impossível manter todas as medidas de segurança. Em uma sala tudo ocorre 100%, em outra; alunos te escutam, mas tu não os escutas, noutra; o contrário. Perde-se a estabilidade. Nós nos sentimos, além de amedrontados, perdidos, pois exigem de nós um conhecimento que a universidade não nos passou, que professor teve na graduação um curso de tecnologia da informação? Bom lembrar que, em 2020, contrariando o que alguns pensam, não deixamos de ministrar nossas aulas, baixamos programas específicos, gravamos aulas e as editamos. Passamos horas e horas na frente de um computador que, muitas vezes, não tinha a tecnologia necessária para comportar tanta novidade. Eu comprei quadro branco, canetas, apagador e paguei, durante todo o ano, um programa de edição. Meu privado tornou-se parcialmente público.

Diferente de muitos professores e professoras, posso - ainda -  dizer que sou uma sortuda, pois na escola em que trabalho, apesar de pública, há janelas e portas enormes abertas ao novo e, tenta-se, a todo custo, fechá-las ao acaso, um vírus que muta e mata, abarrota hospitais e cemitérios. A linha de frente dos profissionais da saúde é a emergência, a nossa é a sala de aula que não é mais a mesma. Enquanto eles são assombrados por um vírus, nós somos perseguidos pela ignorância. Um mundo físico, cercado de quadros, livros e sala cheia era nossa zona de conforto, já o virtual estava mais relacionado a algumas horas-extras e ao lazer. Como se não bastasse, expomos nossas imagens e nossas fraquezas ao vivo e a cores. 

Sinto-me, assim como muitos de meus companheiros e minhas companheiras de trabalho, um escudo, às vezes um ponto em cima de uma árvore à espera de um raio. Quero minha sala de aula de volta. Quero meus alunos de volta, bagunceiros e sorridentes me dizendo "bom dia" sem um bloqueio na frente do rosto. Quero poder me aproximar deles, tocar seus ombros e perguntar se conseguem analisar aquele período composto e perceber a importância dos elementos coesivos, em especial, em um texto técnico-científico. Enquanto nos viramos com álcool, máscara, garrafa de água, fone de ouvido, computador e câmeras, nossas seis valiosas armas, cai a ficha, a falta de estrutura nos textos de alunos e alunas reflete o problema de coesão em um país fragmentado, um Brasil em que teoria e prática são para poucos. Bem lá no fundo sempre soube que "querer não é poder".