De repente me vejo, há quase cinco meses, em uma sala de
aula na minha própria casa: um quadro branco, canetas coloridas, um apagador,
um computador e três aplicativos para gravação e edição de vídeo. Perco a noção de vida privada e o tempo relativiza-se ainda mais.
Ao comparar a minha primeira videoaula à atual, percebo uma
considerável evolução: título, legenda e o fato de não precisar mais gravar
tantas vezes um mesmo conteúdo. Segurança e conforto. Sinto-me quase uma
profissional da área, já penso até em mudar de profissão, mas temo a concorrência (hehehehehe). Acostumo-me ao novo espaço improvisado, diverso e solitário.
Não tenho mais expectativa pela chegada da sexta-feira, tampouco a
segunda me causa ansiedade, pois nenhum sinal me avisa o início ou o fim das
aulas que, na verdade, como sou prevenida já estão programadas. Caso fique doente, apesar de me manter afastada do convívio social, já tenho um mês
pronto , sem aula meus alunos não ficam.
E eu, que nunca fui saudosista, sinto saudades de ter
horário para acordar, de me arrumar e ir para o trabalho, afinal, nos últimos
tempos, da cintura para baixo pouco preciso me preocupar, dou aulas de chinelos
e me sinto em casa, mesmo parcialmente fora dela. Sinto
saudades dos recreios na sala dos professores, daquele tempo curto de 15 minutos que
nos faz respirar para um café, um papo e um banheiro, e até das discussões que,
às vezes, rolam, além de, lógico, das combinações do tipo: “o que faremos neste
final de semana?” Hoje vale um: “Fica em casa, seu mané”. Sem samba. Sem
encontro para um chopinho. Sem cinema. Sem sarau e sem roda de choro. Putz. Não
aguento mais minha tevê. O Netflix, tornou-se um enlatado, resultado: assinei a Amazon Prime e já recorri até ao aposentado DVD. A ansiedade tem sido minha melhor amiga,
roer unhas voltou a ser um hábito cotidiano e o vidro de rolhas de vinho enche
rapidamente. A casa já precisa de uma nova faxina, só que estou achando tudo meio sem
graça. Olho os dias lindos e só penso em quando vou poder sair, sentar em um
café para escrever, pois minha inspiração está nas ruas, nos passos que dou,
nas pessoas que encontro, na vida lá fora. Conversas
e reuniões pelo meet com vozes falhando, milhares de lives dia e noite,
e-mails, recados no whats, no face, no insta, bah!! Tudo isso cansa. Cansa o
contato frio com os alunos no classroom, até mesmo as postagens no google
drive. E a falta de contato, do olho no olho, do toque, das vezes que tento fazer
meus alunos rirem para a aula ficar menos chata, e até de quando canto para eles.
Sinto saudades de momentos bons, e até dos ruins: “Profe, é pra copiar?”
Afffff!
O fato é que a quarentena se prolonga, a curva parece nunca chegar
ao fim, e o que era para ser um mês mantém-se e talvez ultrapasse o
ano. Talvez passemos a virada em nossos quadrados, cantando: “adeus
incerto ano”. Já esgotei todas as minhas listas de
filmes, fechei alguns livros densos demais, outros eu li e reli. A esponja do meu sofá afunda e confesso: ando até assistindo ao Vale a pena ver de novo: "Êta mundo bom". E os feriados nem me fazem falta! Também acho que não sei mais o caminho do trabalho, nem sei
mais meu horário de aula. Saudade dos sábados no 'Qualé Mané", mas o "Qualé Mané" fechou e só no que penso é onde irei quando tudo acabar? Às vezes sinto que
sou uma prisioneira à espera da assinatura do juiz para
sair por aí, distribuindo máscaras colecionadas ao
longo de 2020, um ano histórico, ora pela pandemia, ora pelo desgoverno
que só o que sabe fazer é desgovernar: acabar com direitos dos cidadãos,
contribuir para o aumento da desigualdade, empoderar violências mil e, o pior,
demonstrar um descaso imenso com o número de mortos que já passa de 100 mil
seres humanos. E “pracabá” ouvimos um: “tem que tocar a vida”.
Ontem, gente querida, adormeci com este texto
parcialmente pronto em minha cabeça e pensei em compartilhar com vocês para
diminuir nosso distanciamento afinal, as palavras são acalanto e cura. Sabem o
que me atormenta? As festas que perdi (por preguiça) quando podia sair, isso que eu confirmo
presença antes de ser convidada (nas que vou, né?), pois então, faço uma "promessa", se escapar
dessa pandemia, irei a todas as festas que me convidarem,
nem que tenha que ir a três em um único dia. Também procurarei fazer muiiiiitas
festas e dançar muiiiiito, então comportem-se em casa para que possamos nos
encontrar em breve. Por ora, como não tenho lágrimas de crocodilo, fico
por aqui rindo para não chorar.
São José, 11 de agosto de 2020.