sábado, 2 de janeiro de 2021

Dejà vu

Sentada em meu jardim, aprimorado durante a pandemia, penso no ano que chegou chegando. Sufocado e rançoso, felizmente já se foi. Demorou-se. Foi lento e atípico, deixando rastros. Chegamos à 3a. década do século XXI esperando mais. Mais empatia. Mais respeito. E menos. Menos racismo. Menos misoginia. Menos desigualdade. Menos egoísmo e desrespeito. 

A cadeira que me abriga parece me pedir cautela. Nada de ficar se balançando como criança. Necessitamos, com urgência, de estabilidade, de um governo que se importe com quem menos tem, com quem mais sofre, com quem mais morre, no individual ou no coletivo. Este Brasil, ainda no novo normal, nasce como uma criança não planejada, mas que terá, com certeza, uma vida tumultuada, seguida de restrições, dores e mortes. Desculpas pelo meu pessimismo, se temos, entretanto, que nos planejar para o ano, é necessário recordar o que passou, manter-nos ligados à história para que não nos frustremos ainda mais. Podemos vestir o branco sim, mas o branco da paz hoje é o de quem está na linha de frente em hospitais tentando salvar vidas. Já o verde da esperança é o da mata que queimou e, ainda, corre riscos, e não são poucos. O vermelho do amor é o sangue derramado de seres ora na cidade, ora na floresta. Balas. Facas. Queimadas. Mulheres, negros, crianças e idosos ainda são as maiores vítimas.

Eu já passei o réveillon em quarto de hospital e em velório, logo, sempre é bom lembrar que não há dias para morrer, nem nascer, há, no entanto, dias para lutar. Enquanto brindávamos a passagem de ano, pessoas buscavam uma cama no hospital. Enquanto comíamos e sorríamos, pacientes eram entubados, alguns não resistiram. E mais uma criança, a Alice, de apenas 6 anos, morreu neste primeiro dia do ano baleada em uma comunidade, Alice não teve oportunidade de conhecer um país das maravilhas. O fato é que quem sobreviver a esta pandemia, terá o réveillon de 2022 para comemorar, enquanto muitos sequer chegarão à páscoa. Sinto muito, leitor e leitora, mas não consigo deixar de pensar nisso. A morte, quando inesperada e prematura, ainda me incomoda muito, não consigo ficar ilesa. Há um vírus que tem nos mostrado o quão somos pequenos, impotentes e vulneráveis. 

Como o cimento pesa mais para quem fica do que para quem vai, ao fazer uma selfie, observo as marcas que os últimos tempos me deixaram. Sem maquiagem, como quase sempre, mas ainda com os cabelos pintados, faço projetos a curto prazo. Se por um lado, aceito as marcas físicas da idade que avança, por outro não sei muito bem o que fazer com algumas dores na alma. Nesta pandemia, envelheci além do tempo. Faltaram-me abraços, beijos, aglomerações com gente querida. O necessário isolamento social me trouxe para uma realidade que respeitei, mas com a qual tenho dificuldades, após longos meses, de me acostumar. Sou da rua, da vida, do tumulto, da praça cheia com os meus levantando bandeira e exigindo respeito.

Como as orquídeas que se agarram a troncos, tento me agarrar ao que tenho: marido, filhos, literatura, música, jardim, só não sei se vou florir neste ano. Só tenho certeza da luta que se trava já, nas primeiras horas de 2021. Como disse o amigo Frederico, não será um ano fácil, não serão poucas as pedras a serem retiradas, tamanho o retrocesso que tivemos nos últimos tempos. Vou continuar com a máscara, com o álcool, evitando saídas e assim como Caetano, vou tentar fazer um acordo com o tempo: "Compositor de destinos/ Tambor de todos os ritmos/ Tempo, tempo, tempo, tempo/ Entro em um acordo contigo".