quinta-feira, 7 de maio de 2020

Sobre fazer aniversário



O que espero da vida ou que a vida espera de mim?  Nunca soube esperar, não é à toa que nasci de oito meses, por isso não penso nisso.  Vou vivendo, com poucas expectativas pra não enlouquecer. “Compositor de destinos,/Tambor de todos os ritmos”, mais um tempo se vai e outro se apresenta, fazer aniversário é pros fortes. Não há acordo, Caetano, infelizmente.
De família humilde e numerosa, os presentes sempre foram poucos, e houve uma época em que aguardava por eles, como era bom ser lembrada. Eles eram raros e valiosos carregavam afeto e luta. Os presentes, no entanto, adquiriram uma proporção consumista demais, perderam o valor que tinham, e frente a tanta data e comemoração que, muitas vezes, nada significam, tornaram-se “obrigação”, é como aquele: “tenho que comprar algo pra fulano, é seu níver”. Ressignifiquei o presente e ele se desmaterializou, estar rodeada de pessoas verdadeiras ao meu lado, com quem eu possa, como disse Tom Jobim, multiplicar, pois, "Pra que dividir sem raciocinar"? é meu maior presente, lembrando que estar ao lado de não é, necessariamente, estar próximo. 
Não há dia pra presentear alguém amado, quem me conhece sabe que gosto de dar presente sem motivo. Me lembrei da pessoa vou lá e, se possível, faço da vida uma aula de matemática, nunca de contabilidade, compro e presenteio. Os melhores presentes estão mais no ato em si, mais na lembrança do que no objeto. Meu aniversário não representa só um ano a mais de vida, representa um dia a mais com gente querida. E por isso tudo não consigo me desfazer dos presentes que ganhei durante minha vida. Bilhetes de alunos, cartões do namorado que se tornou amante e marido, cartinhas dos filhos quando crianças, enfim, lembranças que não têm valor comercial, até porque afeto não se comercializa.
Comemoramos a vida, mas com o tempo, passamos a conviver com a morte que vai se aproximando cada vez mais. Já perdi muitos amores, mas nenhuma morte doeu mais que a de meu irmão, é uma dor constante. Em 2018, comemoramos meu aniversário em uma casa de samba (foto), dançamos a noite inteira. Ele sambava puladinho igual seu Lidinho. Era quase um pai pra mim, reforçou meu amor ao samba, foi quem me levou pra desfilar na Copa Lord, foi quem me levou pra minha primeira viagem de avião, foi quem me incentivou a estudar inglês, era quem me encantava pelo amor à liberdade e era quem penteava meus longos cabelos crespos e embaraçados quando criança.  Era desprovido de ambição, tinha meia dúzia de roupas e o que tinha não era dele. No meu aniversário de 2019, por causa de política, estava chateado comigo, e eu com ele e não tivemos mais a oportunidade de nos parabenizar. Nos últimos tempos, mortes têm sido constantes, e algumas delas antecederam meu aniversário e, por isso, é impossível comemorá-lo sabendo que o luto paira no ar, assim como paira no ar o medo pelo país que se desenha, imerso em um descaso com o idoso que, há alguns dias, aos sessenta anos, se tornou descartável. E sessenta está logo ali...  
Retornando ao questionamento inicial, só o que espero da vida é não chegar à velhice como Flávio Migliaccio, pois quero olhar pra trás e pensar no clichê: fiz o melhor que poderia ter feito.  É assustador imaginar que alguém com mais de oito décadas de vida antecipe sua morte, é, porém, compreensível pelo momento de intolerância em que vivemos. Flávio Migliaccio dizia que, quando se apaixonava pelo personagem, queria representá-lo pelo resto da vida. Era mais fácil ser personagem, né, Flávio? Não é fácil ter, mas é muito mais difícil ser.
Ontem eu queria ter comemorado meu aniversário em uma casa de samba, queria estar com gente querida e sambar muito com aquelas pessoas que estiveram comigo em 2018, queria que a Tânia cantasse Rosa de Pixinguinha pra mim, mas o tempo não volta e fiquei feliz com os beijos e abraços virtuais, com as muitas mensagens que recebi e por ter meu marido e meu filho do meu lado. Fiquei no meu canto. Claro que rolou um samba e também fiz um bolo de aniversário, algo que há anos não fazia ( não dispenso um bolinho) e cantamos parabéns pelo whats com mais três amigas queridas. Foi diferente. Foi bom. Me senti acolhida.
Hoje o dia amanheceu triste e frio, também acordei mais velha e mais preocupada com as estatísticas quanto ao Covid-19, mas a poesia sempre me acalanta e nada como alguns versos de Vinícius de Moraes: "E eu te direi: amiga minha, esquece.../Que grande é este amor meu de criatura/Que vê envelhecer e não envelhece".
É isso, gente querida, o amor não envelhece, tampouco morre. E quanto ao que a vida espera de mim, sei lá. Deixo que ela me leve, né, Zeca?  Grande beijo e obrigada pelo afeto.
São José, 07 de maio de 2020.