terça-feira, 22 de setembro de 2020
Teatro do cotidiano
domingo, 20 de setembro de 2020
Sobre Marias
Eu e Fátima Teles fomos convidadas para uma live do "Coletivo Mulheres que Escrevem", promovida, pela amiga e escritora em comum, Ana Laurindo. Lá, trocamos Marias. Ela leu um trecho de seu livro "Lições de Maria", já eu li um de meus poemas do livro "De Choros e Velas". Marias ficcionais juntaram-se a outras Marias e filhas de Maria. Eu, do lado de cá, do sul do país, apoiada em Anita Garibaldi e Antonieta de Barros, ela, do lado de lá, do nordeste, abraçada a Maria Tomásia, Maria Bonita e Maria Firmina dos Reis. Trocamos endereços e livros e nos reconhecemos em uma luta mais que feminina.
Moradora de Brejo Santo, Ceará, Fátima Teles é professora, assistente social, escritora e mestranda em Políticas Públicas. Publicou também "Alumbramento", "A Cidade que veio das Àguas" e "Brejo Santo: Revisitando o passado e construindo o presente" e hoje possui um canal no youtube em que apresenta e lê outros escritores, além de textos de sua autoria. Ler "Lições de Maria" (Fortaleza: Premius Editora, 2019) foi um acalanto. É uma leitura leve e necessária para antes, durante e após pandemia, afinal, no país inteiro, têm-se mantidos os casos de violência contra a mulher.
Nove Marias empoderam a Maria professora que ensina a mulher a redescobrir-se. Enxerguei-me naquela Maria que, ao despertar, encontra força, espiritualidade, sabedoria, liberdade e aprende, com o silêncio e o tempo, a desapegar, não só de objetos, mas de pessoas, afinal, "ninguém é de ninguém". No livro, há Marias que se fragmentam para se consolidarem. E Maria torna-se sincera e ela mesma, quando consegue discernir ilusão e realidade, mentira, falsidade e verdade. Passa a viver atenta e caminha sem olhar para trás.
Como "tudo vale a pena quando a alma não é pequena", a Maria, da Fátima, de muitos sobrenomes e que está em cada uma de nós, é a construção de uma mulher que se empodera, que chora com Clarice, no entanto, merece viver e amar como outra qualquer do planeta. Com uma linguagem figurada e leve, o feminismo perpassa, diria que até disfarçado na capa dura de tom lilás, pela luta que a mulher ainda tem que travar, primeiro com ela mesma, depois com o outro. Respinga, nas entrelinhas, um "se eu fosse eu", de Clarice Lispector, um "se", no livro, que só se descobre lendo, porque "de boas intenções o inferno está cheio", não é mesmo, Maria de Fátima Araújo Teles?
São José da Terra Firme, 20 de setembro de 2020.
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
Eu, uma mandriona
Realmente, eu devo ser uma pessoa muito preguiçosa, porque alguém que escolhe ser professor só pode ser muiiiiiiito preguiçoso, não é mesmo? Já ouvia que ser professor não era lá uma profissão muito valorizada, além disso, como estudante de escola e faculdade públicas, sabia que a luta era grande para se tentar valorizar o que o país pouco dava valor: a educação. Foi preguiça ler e escrever, por que não fiz algo braçal?
Realmente, eu devo ser muito preguiçosa, porque, ainda no início da graduação, comecei a enfrentar uma sala de aula repleta de alunos. No primeiro contrato da prefeitura municipal de Florianópolis, saía do centro para dar aula na Escola Batista Pereira no Ribeirão da Ilha, logo depois, me inscrevi para professora substituta para a rede estadual. Como era jovem e com pouca experiência, só consegui aula de Inglês no Zulma Becker. Para Português havia muitos candidatos para poucas vagas. Nem almoçava, pegava o busão da UFSC, descia na prainha, pegava outro busão para Santo Amaro da Imperatriz, quase sempre abarrotado de gente. Chegava na escola e comia um lanche que as merendeiras guardavam pra mim. Putz. Quanta preguiça! Por que não levava meu almoço?
Não parei mais, realmente, coisa de gente preguiçosa, por que não mudou de profissão? E só não foram muitas as escolas públicas, porque me efetivei cedo: Nereu Ramos, Ivo Silveira, Francisco Tolentino. Pouco fui professora "acetansa" no estado, por que só preguiçoso mesmo para se sujeitar a não ter quase direito nenhum, né? Ah! Preguiçoso e tanso. Ser professor efetivo também é sinal de preguiça, sabe como é, funcionário público que, segundo um tal ministro, é tudo parasita. E quando se filia a um sindicato então, hein! Péssima combinação!
E como todo preguiçoso gosta de trabalho manso e fácil, paralelamente ao estado, ocupava o tempo restante na rede privada. E cá entre nós, todo professor é burro, então, precisava estudar, estudar e estudar. Fui fazer mestrado, doutorado e, detalhe, em sala de aula e grávida. Como? Ainda me perguntam? Professores não trabalham, gente, professoras muito menos. Simples assim. Por que elas não ficam em casa cuidando dos filhos e dos maridos? Bando de preguiçosas! E essa história de preparar e fazer plano de aula, trabalhar em dois e três lugares para complementar o salário é conversa de esquerdista, sindicalista, comunista, por que não trabalham, as mulheres, por amor à profissão?
Realmente, sou muito preguiçosa, com três meses de férias durante esses anos todos, por que ainda não fui trabalhar, de graça pra algum político por puro patriotismo? Hoje, quem sabe, eu seria uma assessora de um desses deputados aí que dão o sangue pelo "brazil", ou poderia, nas últimas eleições, ter me filiado a certo partido repleto de gente trabalhadeira e bem intencionada, que odeia mamadeira de piroca. Culpa de Freud e de um certo partido que governou para gente preguiçosa, tudo culpa de professor de humanas que não ensina a pescar.
Tem que ser muito preguiçosa, tansa e burra, né? Por que diabos não dei uma de louca e me aposentei aos 33 anos com salário integral?
Vai trabalhar, vagabunda. Lembra: nada está tão ruim que não possa piorar.
São José da Terra Firme, 18 de setembro de 2020.