quinta-feira, 8 de junho de 2023

Sobre (des)apegos

 

No fogo, o feijão com as folhas de louro borbulha. O cheirinho se espalha. Lembranças também borbulham em minha cabeça. No ano passado, minha irmã mais nova apareceu lá em casa com alguns galhos de louro: "deixa secar e guarda" - me disse. Ela se foi, e além da saudade, me deixou um saco cheio daquelas folhas medicinais.

 Impossível não me lembrar dela e de um provérbio que nossa mãe falava com frequência: "vão-se os anéis e ficam os dedos". Por isso, e por mais leveza, há um tempo iniciei sessões de desapego. Olho pros armários e estantes, e, aos poucos, vou me desapegando. Apesar de já ser desapegada, com o tempo passei a acumular, de roupas a livros. Não raras as vezes me questiono sobre quem vai cuidar de minha biblioteca, e de meu jardim? "Desapega, Rosane"- alguém sopra no meu ouvido.

E eu venho desapegando cada vez mais, e os armários estão esvaziando. Tem sobrado lugar na estante pra um livro novo. E a casa vai crescendo, acaba por se tornar grande demais. Desculpem, amigas escritoras e amigos escritores, mas eu me liberto, guardo com carinho na estante alguns livros que comprei ou ganhei autografados, alguns já lidos, mas se faz necessário abrir espaço. Empresto, troco, doo, sem problemas. Livros não são enfeites ou lembrancinhas, livros precisam circular, precisam ser lidos pra que, de repente, se imortalizem. Eu me sinto orgulhosa de encontrar meus livros em sebos.  Meus livros são livres pra encontrar um leitor.

Logo, é necessário mudar de postura, pois a vida é um centro cirúrgico, e nunca sabemos se sairemos de lá, e se voltaremos pra casa vivos.  Minha mãe, que trabalhou uma vida, num hospital, também falava sobre isso. Por isso temos que facilitar nossa vida, e o planeta agradece.

Menos coisas, menos bens materiais, pra sobrar mais espaço pra mais poesia, mais música, mais viagens, mais boas lembranças, e mais energia. Sem entulhos, sem apego a bens materiais, pois só precisamos mesmo é de uma muda de roupa que, às vezes, nem escolhemos.

As folhas de louro vão durar mais um tempo, as próximas talvez não tenham o mesmo sabor daquelas plantadas e colhidas por minha irmã. Mas a vida é assim mesmo, precisamos nos acostumar a novos sabores, novos cheiros, sendo o mofo sempre dispensável.

 

Rosane Cordeiro

 

Belém, 01/06/2023.