sexta-feira, 21 de junho de 2019

Qualé não é qualquer.




A night ferve, digo, bomba. Olhares atrevidos. Outros desconfiados. A mulherada na cinta, no salto, no reboco. A homarada quase como veio ao mundo, só que com aquela roupinha curtida, manjada, largada.
Sem palco. Sem salão. Um quarteto de músicos divide o espaço com casais afoitos por uma boa música. Não toca Raul. Juliana d Passos com todo seu axé canta Dona Ivone Lara: "Melhor é viver cantando/as  coisas do coração".  Mas quase ninguém está preocupado com o coração. Naquela noite, a razão predomina. É dia de níver e predomina no ar a alegria por mais um ano de vida, apesar  dos pesares e do país do avesso. Neco cumprimenta, como sempre, o povo que chega. Seu Lidinho, de vermelho e branco, ensaia um samba miudinho.  A caipira é saboreada por algumas mulheres que extravasam  a jornada tripla. Mari chega elegantérrima. Não precisava exagerar, afinal, não está no Cafè de la Musique, mas  na casa de samba à Lapa mais acolhedora de Floripa, onde um qualé mané é sempre bem-vindo.
Só havia olhos pra  Mari, com tudo em cima, com as amigas, a olhos machistas estava querendo. Em tempos de feminismo, no entanto, mulher escolhe, môs quiridus. Não dança com qualquer um não. Não precisa de qualquer um não. Fedido, nem pensar. Pilantra, nem pensar. Mal educado muito menos. Fã do... então, ai. Manda pastar  Não quer resto, quer alguém inteiro. Não precisa ser bombado e nem precisa ser homem. Precisa ser gente que a trate com respeito. Se for gay é bom demais, pois é provável que dance livre, leve e solto. Tem homem ainda que se recusa a encarar o século XXI,  acredita que quem está ali sentada e sozinha esteja louca por um macho. Caia, na real, istepô,  hoje mulher dança sozinha, ri com as amigas, é independente, livre e desconstroi, a cada dia,  estereótipos. É subestimada e resiste. Aliás, resistência é a palavra da vez. 
Em pé, parados como guardas de trânsito, alguns homens  colocam-se em pontos estratégicos. De braços cruzados, convencidos do prêmio a receber, procuram pelas próximas vítimas. Um deles aproxima-se de Mari, na certeza de que, naquela noite, conduziria uma linda mulher. "Vamos dançar?" Ela o mira dos pés à cabeça, recusa o convite e depois compartilha com as amigas:   "De bermuda, tênis  branco e meia preta, eu hein, nem pensar". 
Ah! Essas minhas amigas...