sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Eu, uma mandriona

 Realmente, eu devo ser uma pessoa muito preguiçosa, porque alguém que escolhe ser professor só pode ser muiiiiiiito preguiçoso, não é mesmo? Já ouvia que ser professor não era lá uma profissão muito valorizada, além disso, como estudante de escola e faculdade públicas, sabia que a luta era grande para se tentar valorizar o que o país pouco dava valor: a educação. Foi preguiça ler e escrever, por que não fiz algo braçal? 

Realmente, eu devo ser muito preguiçosa, porque, ainda no início da graduação, comecei a enfrentar uma sala de aula repleta de alunos. No primeiro contrato da prefeitura municipal de Florianópolis, saía do centro para dar aula na Escola Batista Pereira no Ribeirão da Ilha, logo depois, me inscrevi para professora substituta para a rede estadual. Como era jovem e com pouca experiência, só consegui aula de Inglês no Zulma Becker. Para Português havia muitos candidatos para poucas vagas.  Nem almoçava, pegava o busão da UFSC, descia na prainha, pegava outro busão para Santo Amaro da Imperatriz, quase sempre abarrotado de gente. Chegava na escola e comia um lanche que as merendeiras guardavam pra mim. Putz. Quanta preguiça! Por que não levava meu almoço?

Não parei mais, realmente, coisa de gente preguiçosa, por que não mudou de profissão? E só não foram muitas as escolas públicas, porque me efetivei cedo: Nereu Ramos, Ivo Silveira, Francisco Tolentino. Pouco fui professora "acetansa" no estado, por que só preguiçoso mesmo para se sujeitar a não ter quase direito nenhum, né? Ah! Preguiçoso e tanso. Ser professor efetivo também é sinal de preguiça, sabe como é, funcionário público que, segundo um tal ministro, é tudo parasita. E quando se filia a um sindicato então, hein! Péssima combinação!

E como todo preguiçoso gosta de trabalho manso e fácil,  paralelamente ao estado, ocupava o tempo restante na rede privada. E cá entre nós, todo professor é burro, então, precisava estudar, estudar e estudar. Fui fazer mestrado, doutorado e, detalhe, em sala de aula e grávida. Como? Ainda me perguntam? Professores não trabalham, gente, professoras muito menos. Simples assim. Por que elas não ficam em casa cuidando dos filhos e dos maridos? Bando de preguiçosas! E  essa história de preparar e fazer plano de aula, trabalhar em dois e três lugares para complementar o salário é conversa de esquerdista, sindicalista, comunista,  por que não trabalham, as mulheres, por amor à profissão? 

Realmente, sou muito preguiçosa, com três meses de férias durante esses anos todos, por que ainda não fui trabalhar, de graça pra algum político por puro patriotismo? Hoje, quem sabe,  eu seria uma assessora de um desses deputados aí que dão o sangue pelo "brazil", ou poderia, nas últimas eleições, ter me filiado a certo partido repleto de gente trabalhadeira e bem intencionada, que odeia mamadeira de piroca. Culpa de Freud e de um certo partido que governou para gente preguiçosa, tudo culpa de professor de humanas que não ensina a pescar.  

Tem que ser muito preguiçosa, tansa e burra, né? Por que diabos não dei uma de louca e me aposentei aos 33 anos com salário integral? 

Vai trabalhar, vagabunda. Lembra: nada está tão ruim que não possa piorar. 

São José da Terra Firme, 18 de setembro de 2020.

5 comentários:

  1. Minha querida poeta escritora muito bom e deve ser muito especial ser tua aluna eu tenho orgulho de minha amiga pouse representa.

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  2. Tenho orgulho de ter sido companheira de trabalho da Rosane que nunca se cala diante das injustiças.

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  3. Parabéns. São pessoas assim que fazem a gente acreditar que podemos melhorar o nosso mundo.

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  4. A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.Com essa frase Darcy Ribeiro traduz a situação dos níveis educacionais do País.

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