Saí da clínica agradecida.
Minha mãe não chegou à idade que tenho hoje. E por isso sempre digo às amigas
que aniversariar é um presente, não um fardo. Quantas pessoas gostariam de
viver mais para se desculparem dos tropeços dados, ou para fazer o que não
fizeram durante uma vida às vezes curta, outras vezes aparentemente longa e
pesada demais.
Ao atravessar a Rua Menino
Deus, é impossível não me lembrar de meus pais trilhando aquele mesmo caminho. Na
esquina, vejo meu pai de sandália de dedo, de calça um pouco mais curta e com
uma camisa clara e com um cigarro na mão, conversando com os amigos na venda do
Sr. João da Maia. No rosto um sorriso que raramente nos mostrava. Minha mãe
está a caminho da feira, vai comprar linguiça Blumenau para o feijão. E a
criançada escorrega pelo pastinho do hospital, enquanto pacientes sobem e
descem a procura da saúde perdida. A funerária está ali, com caixões na entrada
esperando o próximo a partir. Esbarro no Sr Gil Guedes que me pergunta:
“Rosaninha, onde vás?”. Rota de pertencimento: recordações de um tempo que, embora
passado, está presente todas as vezes que caminho por Florianópolis, minha
terra natal.
Há alguns anos tenho feito o
que me dá alegria: tocar pandeiro numa roda de choro, abrir a casa para amigos
que me acolhem e me acalantam, viajar para conhecer outros espaços e gentes, escrever
e ler para quem me quiser ler e ouvir, sorrir mais e me preocupar menos, cada
vez menos, com bens materiais. Hoje eu escolho com quem estar, o que fazer,
aonde ir. E tenho prioridades de que não abro mão: comer e beber com os meus é
uma delas. De repente sou invadida por uma tristeza ao ouvir a Gal cantando “Força
estranha”, e me dou conta de que aquele agudo e aquela afinação eu não terei
mais a oportunidade de ver e ouvir ao vivo. Por que não fui ao último show dela
em Floripa, por quê? É isso, queridos amigos e queridas amigas, a vida é feita
de escolhas, e vale sempre esse clichê que, por ser clichê, não lhe damos a
devida importância.
Às 10:30 entro num café para
quebrar o desjejum, grata à vida que tenho e às escolhas que fiz, apesar de
algumas frustrações. Sento e peço um espresso pequeno e um pãozinho com queijo
e tomate. E resolvo escrever este texto que só agora à noite nasce, pois há uma
força estranha no ar e eu não posso parar.
"Navegar é preciso. Viver não é preciso." E escolhas são inevitáveis.
ResponderExcluirAdorei Rosane. Aquela força estranha tento cantar no chuveiro todas as noites para espantar minhas mágoas e relembrar minhas saudades. Bjs.. Parabéns.
ResponderExcluirMaravilhosa!
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