sábado, 12 de novembro de 2022

Sobre escolhas e pertencimento

 

Saí da clínica agradecida. Minha mãe não chegou à idade que tenho hoje. E por isso sempre digo às amigas que aniversariar é um presente, não um fardo. Quantas pessoas gostariam de viver mais para se desculparem dos tropeços dados, ou para fazer o que não fizeram durante uma vida às vezes curta, outras vezes aparentemente longa e pesada demais.

Ao atravessar a Rua Menino Deus, é impossível não me lembrar de meus pais trilhando aquele mesmo caminho. Na esquina, vejo meu pai de sandália de dedo, de calça um pouco mais curta e com uma camisa clara e com um cigarro na mão, conversando com os amigos na venda do Sr. João da Maia. No rosto um sorriso que raramente nos mostrava. Minha mãe está a caminho da feira, vai comprar linguiça Blumenau para o feijão. E a criançada escorrega pelo pastinho do hospital, enquanto pacientes sobem e descem a procura da saúde perdida. A funerária está ali, com caixões na entrada esperando o próximo a partir. Esbarro no Sr Gil Guedes que me pergunta: “Rosaninha, onde vás?”. Rota de pertencimento: recordações de um tempo que, embora passado, está presente todas as vezes que caminho por Florianópolis, minha terra natal. 

Há alguns anos tenho feito o que me dá alegria: tocar pandeiro numa roda de choro, abrir a casa para amigos que me acolhem e me acalantam, viajar para conhecer outros espaços e gentes, escrever e ler para quem me quiser ler e ouvir, sorrir mais e me preocupar menos, cada vez menos, com bens materiais. Hoje eu escolho com quem estar, o que fazer, aonde ir. E tenho prioridades de que não abro mão: comer e beber com os meus é uma delas. De repente sou invadida por uma tristeza ao ouvir a Gal cantando “Força estranha”, e me dou conta de que aquele agudo e aquela afinação eu não terei mais a oportunidade de ver e ouvir ao vivo. Por que não fui ao último show dela em Floripa, por quê? É isso, queridos amigos e queridas amigas, a vida é feita de escolhas, e vale sempre esse clichê que, por ser clichê, não lhe damos a devida importância.

Às 10:30 entro num café para quebrar o desjejum, grata à vida que tenho e às escolhas que fiz, apesar de algumas frustrações. Sento e peço um espresso pequeno e um pãozinho com queijo e tomate. E resolvo escrever este texto que só agora à noite nasce, pois há uma força estranha no ar e eu não posso parar.


3 comentários:

  1. "Navegar é preciso. Viver não é preciso." E escolhas são inevitáveis.

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  2. Adorei Rosane. Aquela força estranha tento cantar no chuveiro todas as noites para espantar minhas mágoas e relembrar minhas saudades. Bjs.. Parabéns.

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