Impossível não me lembrar da páscoa na infância. Minha
mãe enchia nossas cestas com frutas e com canudos e ovos de amendoim que ela
mesma fazia. Meus irmãos mais velhos faziam as pegadas de coelho no assoalho de
casa e escondiam nossas cestas para que as encontrássemos pela manhã. Em um domingo antes da páscoa, minha mãe ia à
missa e trazia sempre um ramo da igreja, dizia que era bom queimá-lo em dias de
trovoada.
Do hebraico, páscoa é passagem e não é só um dos feriados
mais esperados do ano, é uma data que
vai além da religiosidade, é uma data
histórica e política. Tem a ver com a
história de um povo escravizado e com a ressurreição de um homem que, se
tivesse nascido muitos séculos depois, seria tachado de comunista. No Brasil,
seria assassinado por algum político incomodado com suas afirmações favoráveis
aos direitos humanos, teria uma placa em sua homenagem arrancada e quebrada em
praça pública, e esse ato, em nome dos bons costumes, seria ovacionado nas
redes sociais, multiplicando-se de diferentes formas em mensagens no whatsApp.
Seria só mais um bandido morto.
Gosto da ideia de ressurgir, de renascer, de procurar
sempre ser um pouco melhor do que sou. Sendo mais específica, bom pensar que
nós, seres humanos, podemos nos transformar em pessoas menos julgadoras, ter
mais empatia e nos colocar sempre do lado de quem está pregado na cruz, à
direita ou à esquerda, tudo depende da referência. Hoje, cada vez mais
descrente em alguma religião, sofro com os rumos que o país toma, afinal, nasci
cristã e o sentido da páscoa perde-se, como tantos outros. Deixar de acreditar
na páscoa é como desacreditar na capacidade de renovação do indivíduo, insisto
em acreditar em algo além de nós mesmos, em uma força da natureza que o homem
não domina e não tem consciência, talvez isso seja religiosidade, mas pouco
importa. Hoje se fazem necessárias as ações, estamos fartos e fartas de
palavras ao vento.
Sou taurina, dizem que, por isso, sou também
teimosa. Então vou insistir em
desejar-lhes uma feliz páscoa. Precisamos de renovação. Precisamos de passagem,
de passos para frente. Quando o século XXI chegou e o mundo não acabou,
pensamos que teríamos um mundo menos desumano e desigual, quase vinte anos depois nos encontramos em um
momento de retrocesso, não só político, mas social e humano, questionam-se
fatos históricos, criminalizam-se professores e artistas, retornam movimentos
de extrema direita que, em vários períodos da história, apedrejaram, queimaram,
enforcaram, decapitaram, crucificaram os diferentes. Minha mãe, que amava
metáforas, provérbios e ditos populares, diria que estão pegando muita gente pra
cristo e a possibilidade do mundo acabar será um ato humano, deus não
protagonizará essa história. Como ouvi um dia desses, deus, essa palavra tão
bela, são "eus", assim prefiro sempre acreditar que deus não pune,
perdoa; não julga, respeita; não odeia, ama. Deus não subordina ninguém,
tampouco mulheres. Como mulher e feminista que sou, meu deus é o dos
desgraçados de Castro Alves.
Enfim, o sentido da páscoa precisa ser cotidiano. Como
uma pele que encrespa, resseca e se renova após queimada pelo excesso de sol,
precisamos retirar esse ranço impregnado e velado durante os últimos anos.
Precisamos voltar a acreditar no ser humano e em sua capacidade de respeitar a
diferença, de nunca mais reforçar estereótipos. Difícil, quando se vê gente
próxima defendendo a barbárie que já se instalou no país, mas é necessário não
esquecer os Jesus, as Marielles, os Evaldos e tantos outros crucificados. Por
ora, gente querida, hoje cabe uma apelação, que acordemos amanhã com menos ódio
no coração e com menos ambição e vaidade, afinal, em uma sociedade civilizada,
cacau não pode valer mais que um ser vivo. Boa páscoa!
Em primeiro lugar quero te desejar feliz Páscoa pois tenho um grande orgulho e amor pela escritora e amiga que és. Teu texto fala por e para mim, eu me fints mais humana ao ler e já esperando o próximo. Muito obrigada por existires, um beijo no coração.
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